30 novembro 2006

O Movimento Caótico da Ciência





Há quatro séculos atrás, os meninos que iam à escola aprendiam que a terra era o centro imóvel do universo, e em torno dela orbitavam, sobre um único eixo circular, a lua, o sol e os demais planetas. Esses planetas, também conhecidos como astros, sempre foram motivo de atração para os olhares do ser humano. O homem desde os primórdios, sempre encantado com a espetacular visão noturna dos astros, logo percebeu que alguns destes astros se moviam, enquanto outros se encontravam sempre fixos no céu. Como certamente não tinham muito com o que ocupar seu tempo, o homem começou a interligar estes pontinhos nos céu, e assim formar desenhos, os quais seriam conhecidos como sendo as constelações. As constelações foram nomeadas segundo suas formas, recebendo então nomes de coisas conhecidas por eles: carneiro, touro, caranguejo, leão, escorpião, etc. Muitos séculos de observações do movimento dos astros por entre estas constelações fez com que o homem ousasse uma comparação desses movimentos (ou posições) com os fatos vividos por eles em seu cotidiano. Assim foi que surgiu a astrologia, a qual, naquela época, era considerada uma ciência, e que tinha por objetivo o conhecimento da influência dos astros na vida do homem. Naquela época nada era feito sem antes consultar os astros. Até mesmo no campo da medicina, nenhuma erva medicinal era colhida, e nenhuma operação cirúrgica era realizada sem o consentimento das posições planetárias, e as boas e más influências que as mesmas representavam.

Paralelamente a astrologia havia também a astronomia. Enquanto a astrologia, com o passar dos tempos, cada vez mais, foi sendo tida como mera superstição; a astronomia continuou a se ampliar, subsistindo até os dias de hoje. Foi no século XVI o marco inicial da moderna astronomia, quando o polonês Copérnico ousou tornar público que todos os movimentos dos astros eram aparentes e enganosos, pois que o movimento real da Terra é de ocidente para oriente, isto é, em direção contrária àquela em que pareciam mover-se os astros. Com essa afirmação logicamente Copérnico encontrou dezenas de contraditores, sendo que foram precisos cem anos e outro convincente divulgador, como foi Galileu Galilei, para que a revolucionária teoria começasse a ser aceita. Depois disso veio Newton, que das leis de Kepler revelou as leis da gravitação universal, segundo a qual os corpos se atraem reciprocamente, com uma precisão matemática imutável. Como a maçã que cai ao chão, devido à atração que a terra exerce sobre ela, assim a Terra é atraída pelo Sol, cuja grandeza é de cento e nove vezes maior. Segundo a nova teoria, o Sol movendo-se no espaço, arrasta a Terra em sua viagem, impedindo-lhe de fugir para o vácuo. Hoje se sabe que a Terra possui múltiplos movimentos, uma vez que os astrônomos já lhe registraram uns doze, e que a gravidade, na verdade funciona de forma diferente. Newton nos trouxe também a sua teoria corpuscular da luz, que prevaleceu durante quase todo o século XVIII, cedendo ante a teoria ondulatória de Huygens, em meados do século XIX, a que Einstein acrescentaria o conceito de fóton. De Einsten para cá, as teorias científicas passaram a não mais "fixarem-se" por muito tempo, sendo que novas descobertas e variações nas teorias passaram a ser cada vez mais freqüentes. As formulações newtonianas de massa constante tiveram que ceder espaço para a noção de variação de massa com a velocidade, o surgimento da teoria da relatividade. Grandes revoluções no campo da física transformaram a ciência moderna: a relatividade, a mecânica quântica e o caos. E os postulados imutáveis da física de Newton tiveram que se adequar ao novo movimento emergente. Como disse um físico: "A relatividade eliminou a ilusão newtoniana sobre o espaço e o tempo absoluto; a teoria quântica eliminou o sonho newtoniano de um processo controlável de mensuração; e o caos eliminou a fantasia laplaciana de previsibilidade determinista".

A mais recente das três teorias, a teoria do caos, tornou-se a terceira grande revolução do século nas ciências físicas. Mas afinal o que é Teoria do Caos? Por milênios prevaleceu a idéia de que não havia leis e previsibilidade no universo, que a natureza era indomável. Com a ampliação dos estudos sobre a natureza o homem passou a ver o mundo como um grande mecanismo preciso e previsível, dentro das leis então descobertas. Entretanto, essa visão de precisão total foi derrubada, e no século XX, mais precisamente na década de 70, uma nova concepção foi defendida. Surge então uma nova ciência: o caos, onde a desordem e a aleatoriedade retornam ao campo das ciências como no início dos tempos. A Teoria do Caos é atualmente um campo avançado da matemática moderna, que está cada vez mais sendo ampliada e difundida. Ela não é uma teoria de desordem, mas busca no aparente acaso uma ordem intrínseca determinada por leis precisas. Segundo seus postulados, diversos processos aparentemente casuais apresentam certa ordem como, por exemplo, o quebrar das ondas do mar, o crescimento populacional, o clima, a flutuação do mercado financeiro, etc. A Teoria do Caos teve como marco inicial às observações de um metereologista chamado Edward Lorenz. Estudando gráficos metereológicos ele percebeu que pequenas mudanças ou pequenos erros em um par de variáveis produziam efeitos tremendamente desproporcionais. Para um período de uns dois dias, elas mal faziam diferença; mas extrapolando-se para um mês ou mais, as mudanças produziam padrões completamente diferentes e por demais influentes. Lorenz chamou sua descoberta de "efeito borboleta", tirando isso do título de um artigo que ele mesmo publicou em 1979: "Previsibilidade: pode o bater de asas de uma borboleta no Brasil desencadear um tornado no Texas?" Com base na Teoria do Caos pode-se fazer, por exemplo, um diagrama das flutuações de preço de uma mercadoria qualquer, minuto a minuto, semana a semana, mês a mês e ano a ano, sendo que a tendência mostrada no diagrama mais geral (ano-a-ano) se refletirá nos diagramas mais detalhados (de mês-a-mês para baixo). Com isto podemos encontrar um desenho ou diagrama o qual mais apropriadamente denominaríamos "fractal", e que apresentaria uma certa ordem. Um diagrama fractal pode ser ampliado para qualquer magnificação que quisermos, e vai claramente parecer, e algumas vezes reproduzir exatamente, o padrão do quadro mais amplo.

Maria Manuel Araújo Jorge, que problematiza o impacto epistemológico das investigações sobre a complexidade, nos diz que aos poucos vem surgindo a expressão de um novo "espírito epistemológico", que estaria a mudar não só a nossa imagem mecanicista da natureza, mas, inclusive, a nossa relação com ela e o modo de fazer ciência, numa aproximação mais qualitativa, menos agressiva e mais humana. Que a filosofia da complexidade nos ajudaria na superação do reducionismo tradicional, fazendo-nos reconhecer a autonomia e as inter-relações entre os diferentes níveis da realidade, a simbiose entre a ordem e a desordem, as regularidades e o aleatório; e as ciências, assimilando o espírito da complexidade, estariam abertas a uma consciência dos seus limites fundamentais. Havendo uma maior abertura das fronteiras internas de cada um dos ramos científicos, seria combatido a fragmentação disciplinar, e isto favoreceria uma aproximação com o resto da cultura. Fazendo desaparecer: "...um conjunto de práticas físicas, operatórias, marcadas pelos tiques tradicionais do mecanismo e de sua atitude calculatória, mesmo quando o objeto de estudo e de manipulação são os fenômenos complexos, de tipo caótico ou de ordem emergente". (Baumgarten, 2006).

Enfim, nesta que é a era da informação, os movimentos teóricos se aceleram, ao ponto da filosofia assemelhar-se a uma verdadeira máquina do tempo, fazendo o passado reencarnar no presente, na forma de uma visão novamente holística de mundo, de um "universo uno" como o de Raimundo Lúlio e Giordano Bruno, ou então, em algo equivalente as "mônadas" de Leibniz. E embora a formulação de Lorenz (Pode o bater de asas de uma borboleta no Brasil desencadear um tornado no Texas?) ainda não tenha sido satisfatoriamente respondida, podemos agora novamente nos questionar: poderia o movimento dos astros realmente influenciar em nossas vidas? Bem, uma coisa pode-se ter certeza: foi graças ao movimento dos astros que este artigo pôde ser escrito.


REFERÊNCIAS

BAUMGARTEN, Maíra. Society and knowlege: order, chaos, and complexity. Sociologias., Porto Alegre, n. 15, 2006. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-45222006000100002&lng=en&nrm=iso. Access on: 29 Nov 2006. doi: 10.1590/S1517-45222006000100002.

FERREIRA, G.F. Leal. A comparison between the relativistic and the Newtonian mechanics. Rev. Bras. Ens. Fis., São Paulo, v. 26, n. 1, 2004. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-47442004000100008&lng=en&nrm=iso. Access on: 29 Nov 2006. doi: 10.1590/S0102-47442004000100008.

GREENE, Liz. A astrologia do destino. Cultrix: São Paulo, 1995.

Isaac Newton. Disponível em: http://members.tripod.com/~netopedia/biogra/isaacnew.htm

Martins. Trópico: Enciclopédia ilustrada em cores. Vol I. Documentário Nº52. P, 172.

SILVA, Lincoln Faria da. Introdução a Teoria do Caos para o ensino médio. Monografia submetida ao corpo docente do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Licenciado em Matemática. Disponível em: http://www.ime.uerj.br/~progerio/monografia/2004_3/projeto.pdf
Teoria do Caos. Disponível em: http://www.professores.uff.br/salete/caos.htm


 http://hotmart.net.br/show.html?a=A2439357D

3 comentários:

  1. Belo texto... me deu vontade de ler um pouco sobre as teorias modernas da física (relatividade, quântica, caos). Talvez isso facilite o entendimento de como se dá a consciência humana? A astrologia pode ter algo de real, ao menos um mínimo de influência os corpos celestes têm na terra.

    ResponderExcluir
  2. Muito bom esse artigo. Eu estava esperando alguma coisa do tipo que nega a relatividade das descobertas científicas no sentido das descobertas mais novas "negarem" as mais antigas e não apenas de reconhecerem os seus limites. O que considero bobagem justamente por que acredito que a ciência se constitui em um aprofundamento na verdade e não uma busca pela originalidade. Entretanto encontrei um artigo muito mais interessante do que isso.

    Gostaria entretanto deixar como sugestão que você tratasse mais extensamente da influência das novas descobertas da ciência na exploração desses limites entre as diferentes ciências entre si.

    Obrigado.

    ResponderExcluir